terça-feira, 29 de maio de 2012

imagens | "Territórios: Recolher os ossos"


"O único trabalho de La Loba é recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo."
(de Mulheres que correm com os lobos, Clarissa Pinkola Estés)
















segunda-feira, 7 de maio de 2012

LA LOBA


texto indicado pela coordenadora da equipe Sul 1 em 2012, Isabela Santana, como material provocador para o trabalho artístico-pedagógico neste ano.

LA LOBA

"Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que poucos já viram.
Como nos contos de fadas da Europa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas
que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.
Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e demonstra
especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando
geralmente mais sons animais do que humanos.
Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos índios
Tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que
foi vista viajando para o sul, para o Monte Alban num carro incendiado com a janela traseira
arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso, que pega carona aleatoriamente
com caminhoneiros até Morelia, México, ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca,
com galhos de lenha de estranhos formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes: La
Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a Trapeira; e La Loba, a Mulher-lobo.
O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva
especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos
de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua
especialidade reside nos lobos.
Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montanhas e os arroios, leitos secos de rios, à
procura de ossos de lobos e quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último
osso está no lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta à sua frente, ela senta
junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.
Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços sobre o
esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do lobo começam a
formar carne, e que a criatura começa a se cobrir de pêlos. La Loba canta um pouco mais, e
uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo forma uma curva para cima, forte e
desgrenhado.
La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar.
E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto estremece, e enquanto
canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo pelo desfiladeiro.
Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar o rio respingando água, quer
pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é tranformado
numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.
Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e
quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba
pode simpatizar com você e lhe ensinar algo - algo da alma."

Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com lobos